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Avaliação da capacidade funcional pós Acidente Vascular Cerebral (AVC)
Functional Capacity Assessment after Stroke
Zaqueline Fernandes Guerra MSc1; Carla de Morais Eduardo2; Pérsio Ramiro Moreira Vieira Júnior3; Priscilla Alvim Soares 4
Resumo
FUNDAMENTAÇÃO: O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é um dano neurovascular que pode causar deficiências e limitações de tarefas, resultando em dependência funcional com impacto negativo na qualidade de vida. A capacidade funcional pode ser avaliada através de várias escalas e questionários, como a Escala de Katz, originalmente destinada a avaliar a capacidade funcional em idosos.
OBJETIVO: Identificar a capacidade funcional de indivíduos pós AVC em estágio inicial de um protocolo de tratamento fisioterapêutico.
MÉTODOS: Trata-se de estudo descritivo e transversal, com amostra de conveniência de indivíduos com o diagnóstico clínico de AVC e no início de um protocolo de intervenção fisioterapêutica. Foram excluídos indivíduos com deficiências cognitivas graves. Os itens da Escala de Katz foram investigados juntamente com os voluntários e/ou seus acompanhantes.
RESULTADOS: Foram avaliados 14 voluntário, sendo 78,57% deles do sexo masculino. A média de idade entre os participantes foi de 59,8 ± 12,2 anos. A média do escore da Escala de Katz foi de 0,93 ± 1,49, com Índice de Confiança 95% (IC95%) de 0,06 a 1,80, sendo o erro padrão de 0,40. As áreas de funcionalidade com maior dependência na amostra foram o vestir-se e a continência urinária, seguida das transferências e uso do sanitário.
CONCLUSÃO: A Escala de Katz pode ser sugerida com instrumento de avaliação da capacidade funcional de indivíduos pós- AVC, sendo necessários, no entanto, outros instrumentos para se medir a magnitude das deficiências que possam causar as limitações de tarefas apontadas pela escala.
Palavras-chave: classificação internacional de funcionalidade, acidente vascular cerebral, fisioterapia.
INTRODUÇÃO
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) representa a terceira causa de morte do mundo, podendo resultar em incapacidades permanentes ou levar o indivíduo ao óbito
1. O acometimento neurovascular vivenciado pelos sobreviventes do AVC gera várias deficiências neurológicas, como motoras, sensoriais e cognitivas
2. Tais deficiências podem levar a limitações de tarefas relacionadas principalmente à mobilidade e aos cuidados pessoais, resultando em diferentes graus de dependência
1,3,4.
A hemiparesia ou a fraqueza muscular em um hemicorpo afeta mais de 80% desses indivíduos, com conseqüente prejuízo da funcionalidade
2,5. Observa-se nestes casos, um risco maior de inatividade ou uma redução drástica da prática de exercício, caso um programa adequado de exercícios não seja adotado precocemente
6.
A abordagem fisioterapêutica dos indivíduos acometidos pelo AVC deve ser feita, considerando o aspecto biopsicossocial preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que propõem uma análise mais ampla das incapacidades e deficiências, fatores ambientais e pessoais e seus impactos, tanto positivos quanto negativos na funcionalidade. Neste prisma, faz-se de fundamental importância a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), que considera não apenas as deficiências das funções e estruturas do corpo que surgem após uma lesão ou doença, como por exemplo, após um AVC, mas também as possíveis limitações de tarefas presentes naquele indivíduo e que podem ou não contribuírem para restrição de participação
7,8.
Embora a CIF seja fundamental para a classificação da funcionalidade após uma lesão ou doença, ela não substitui os instrumentos clássicos da avaliação fisioterapeutica, composta basicamente pela anamnese e o exame físico, mas expandida para os vários testes, escalas e questionários propostos para investigar os diferentes domínios da CIF
9,10. Tais instrumentos de avaliação possibilitam uma investigação mais detalhada da motricidade, postura, equilíbrio, funcionalidade, entre outros aspectos
9,10. Finalmente, cabe destacar a importância desses instrumentos de avaliação na laboração dos protocolos de tratamento prescritos pela fisioterapia, o que permite também o acompanhamento criterioso da evolução dos indivíduos ao longo da proposta de tratamento
10.
Entre as limitações de tarefas comumente observadas nos indivíduos acometidos por AVC, destacam-se aquelas que limitam as atividades ditas básicas da vida diária, que são divididas em Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD) e Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD)
5,11. As ABVD representam atividades como vestir-se, tomar banho, alimentar-se, realizar transferências, entre outras
6. Já as AIVD representam as atividades cotidianas que refletem a capacidade do indivíduo de gerenciar o meio que vive e inclui atividades como preparar suas refeições, realizar tarefas domésticas, lavar roupas, usar o telefone, manusear dinheiro, tomar medicações, entre outras
5.
Entre os diversos instrumentos para avaliar o nível de capacidade funcional dos indivíduos, destaca-se a Medida de Independência Funcional (MIF). A MIF é amplamente utilizada em todo o mundo e avalia a funcionalidade no domínio motor e cognitivo, sendo composta por 18 itens agrupados em seis funções: autocuidado, controle de esfíncteres, transferências, locomoção, comunicação e cognição social
12. O escore total obtido pelo indivíduo resulta da somatória dos escores obtidos em cada item avaliado com uma variação que vai de um a sete, no qual o valor um corresponde à dependência total e o valor sete corresponde à independência completa
12. Outro instrumento destinado a investigar a independência funcional é a Escala de Katz ou a Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (EIAVD), que foi desenvolvida para a avaliação da capacidade funcional em idosos. Ela é composta por seis itens que medem o desempenho do indivíduo nas atividades de autocuidado, considerando a alimentação, o controle de esfíncteres, as transferências, a higiene pessoal, a capacidade de se vestir e de tomar banho
13. Considerando a facilidade de utilização da Escala de Katz e o fato de que os indivíduos acometidos pelo AVC, serem geralmente idosos após 60 anos, sua utilização na avaliação dessa população, pode ser uma alternativa para se identificar os níveis de dependência ou independência
14.
Desta forma o presente estudo teve como objetivo identificar a capacidade funcional inicialmente observado nos indivíduos acometidos pelo AVC e que foram atendidos pelo serviço ambulatorial da Fisioterapia da clínica escola do HMTJ, no período de abril de 2015, utilizando para isso Escala de Katz.
MÉTODOS
Amostra
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sobre o número de registro 39732614900005103 e todos os voluntários que participaram do mesmo, leram e após concordarem assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, seguindo as recomendações éticas em pesquisa. A amostra de conveniência foi composta por homens e mulheres, com idade igual ou superior a 40 anos, que procuraram tratamento fisioterapeutico na clínica escola de Fisioterapia do Hospital Maternidade Terezinha de Jesus, no mês de Abril de 2015. Foram incluídos para o estudo, apenas indivíduos que apresentavam o diagnóstico clínico de AVC, independente da etiologia, hemorragia ou isquemia, com conseqüentes deficiências neurológicas e que estivessem iniciando o protocolo de intervenção da Fisioterapia no referido serviço. Foram excluídos da seleção, indivíduos com deficiências cognitivas graves ou sem acompanhantes, o que impossibilitava a obtenção das informações necessárias para a avaliação de independência funcional a partir da Escala de Katz.
Avaliação
Inicialmente foi realizada uma anamnese, na qual foram colhidos os dados demográficos do paciente para o estudo como idade, tipo de AVC e tempo após o evento. Logo a seguir, foi utilizada a Escala de Katz, de maneira supervisionada, acompanhada da explicação detalhada feita pelo pesquisador para o voluntário e/ou seu acompanhante. O voluntário ou seu responsável foi orientado sobre a importância da veracidade em responder cada item da escala.
A Escala de Katz possui um escore que é identificado pelo pesquisador, baseado na resposta de cada item que o compõe 13. Sendo: zero) Independente em todas as funções, um) Dependente em uma função e independente em cinco funções, dois) Dependente em duas funções e independente em quatro funções, três) Dependente em três funções e independente em três funções, quatro) Dependente em quatro funções e independente em duas funções, cinco) Dependente em cinco funções e independente em uma função e seis) Dependente em todas as funções.
Analise estatística
Após a coleta dos dados, os mesmos foram submetidos à análise descritiva considerando a média e o desvio padrão dos dados.
RESULTADOS
Foram avaliados 14 indivíduos com o diagnóstico clínico de AVC, sendo a maioria do sexo masculino (78,5%). A média de idade entre os participantes foi de 59,8 ± 12,2 anos, sendo que a idade mínima foi 47 anos e a máxima de 72 anos. A maioria dos pacientes foi acometida pelo dano neurovascular isquêmico (71,42%). Apenas dois voluntários apresentaram um tempo após o evento inferior a 12 meses, o que caracteriza que a amostra foi predominantemente de indivíduos na fase crônica após o AVC. A média do escore da Escala de Katz foi de 0,93 ± 1,49, com Índice de Confiança 95% (IC95%) de 0,06 a 1,80 (Figura 1), sendo o erro padrão de 0,40.
Figura 1 – Escore obtido pelo voluntário na Escala de Katz.
A tarefa funcional mais limitada segundo a Escala de Katz foi o vestir-se (28,57%) e a continência (28,57%), seguidas pela capacidade de se transferir (14,28%) e usar o vaso sanitário (14,28%) (Figura 2).
Figura 2: Capacidade funcional dos voluntários considerando os itens da Escala e Katz.
DISCUSSÃO
Considerando o objetivo do presente estudo de identificar a capacidade funcional de indivíduos acometidos por AVC atendidos numa clínica escola através da Escala de Katz, o principal achado foi de que a amostra foi composta principalmente de indivíduos considerados independentes a partir da escala. Além disso, outro achado relevante foi de que a amostra foi composta por indivíduos presentes na fase crônica após o AVC, que é estabelecida pela literatura como sendo aquela após seis meses do dano neurovascular.
O grau de dependência funcional sofre maior variação principalmente no primeiro ano após AVC, com influência da magnitude das deficiências e do tratamento realizado neste período
5,7,15. Aproximadamente 30 a 40% dos sobreviventes ficam impossibilitados de realizar suas atividades laborais e necessitam de algum tipo de auxílio no desempenho de ABVD
7. Aproximadamente 10% ficam incapacitados de viver na sociedade de forma dependente, necessitando de cuidados de outras pessoas, manifestando alterações do humor e uma modificação na interação social com os amigos e na própria família, com impacto negativo na qualidade de vida
8.
Segundo a OMS a qualidade de vida é definida como “
a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”, esta pode ser avaliada através de vários instrumentos como o questionário de qualidade de vida World Health Organization Quality of Life (WHOQOL)
16. Embora a qualidade de vida não tenha sido avaliada no presente estudo, muitas das deficiências decorrentes do AVC comprometem a independência funcional com conseqüente redução na qualidade de vida.
Entre os principais objetivos da abordagem da Fisioterapia após um AVC, destaca-se a promoção da independência funcional com o máximo incentivo ao uso dos segmentos do corpo acometidos. Neste sentido, embora alguns indivíduos pós AVC se tornem funcionais, grande preocupação e atenção devem ser consideradas a cerca do desuso aprendido. A compensação com o uso do lado sadio e a inatividade nos segmentos afetados deve ser combatida, visando uma funcionalidade com menos compensações e possíveis complicações.
A maior dependência funcional observada nos voluntários foi relacionada ao vestir-se e ao controle esfincteriano. A limitação da tarefa do vestir-se se correlaciona as tarefas de cuidado pessoal. Esta limitação de tarefa já foi mencionada em outros estudos como o de Lucena
at al. 2011, e parece estar relacionada diretamente a deficiência motora do membro superior como apontada por Teles
et al., 2012, que destaca que os movimentos de flexão, abdução de ombro e supinação do braço costumam ser os mais limitados
1.
Embora a limitação do vestir-se possa ser relacionada à deficiência da ativação muscular após o AVC, justificando a dependência dos voluntários nesta tarefa, a perda da continência urinária envolve outros conceitos. Neste caso, alguns autores como Polese
et al., 2008, justificam o problema considerando a diminuição na sensação de enchimento da bexiga, que pode ocorrer devido a redução na perfusão global do córtex após o dano neurovascular
5. Para outros autores como Murayama
et al. 1991, cerca de 80% dos indivíduos com lesões corticais apresentavam bexiga hiperativa, resultando em perda da continência
17. A limitação da mobilidade para o uso do vaso sanitário em associação com a deficiência na capacidade de armazenamento e esvaziamento da bexiga desses pacientes justifica a necessidade de uma rotina miccional. Esta rotina deve ser iniciada ainda no hospital e continuada após a alta objetivando evitar o uso prolongado de fraldas e outros recursos que favoreçam uma condição permanente de perda da continência.
Assim como Cossi
et al., 2010, o uso da escala Katz foi considerada simples e de fácil de investigação da capacidade funcional, o que corrobora para a indicação do seu uso na prática da Fisioterapia 18.
Como limitação do presente estudo, destacamos a pequena amostra de voluntários. Além disso, não foi feita uma reavaliação utilizando a escala de Katz, após certo período do protocolo de intervenção fisioterapêutica que poderiam refletir ou não possíveis mudanças nos escores obtidos na avaliação inicial dos voluntários.
CONCLUSÃO
Concluímos que é possível a investigação da capacidade funcional de indivíduos pós- AVC, considerando como instrumento a escala de Katz, sendo necessário, no entanto, outros instrumentos para melhor registro da magnitude das deficiências que possam causar as limitações de tarefas apontadas pela escala de Katz.
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1. Mestre e aluna do programa de doutorado em Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (SUPREMA) e Universidade Salgado de Oliveira
2. Fisioterapeuta graduada pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (SUPREMA)
3. Fisioterapeuta graduada pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (SUPREMA)
4. Fisioterapeuta graduada pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (SUPREMA)
Correspondência:
Zaqueline Fernandes Guerra
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